19/02/17

"Os Lusíadas"_Teste 12º ano


GRUPO I
A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 81 a 86 do Canto VII de Os Lusíadas. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.

est.81
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prêmio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
est.82
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valorosos,
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para porem as coisas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!
est.83
Pois logo em tantos males é forçado,
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não o empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido1,
Sob pena de não ser agradecido.
est.84
Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes2 exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
 est.85
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante3,
Se muda em mais figuras que Proteio4.
Nem, Camenas5, também cuideis que cante
Quem, com hábito6 honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
 est.86
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto7 peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar8, com mão rapace9 e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa




Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1.    Explicite a crítica que é feita nas estâncias 81 e 82 e fundamente com transcrições textuais.

2.    Caracterize, de acordo com as três últimas estâncias transcritas, aqueles que o poeta recusa cantar.


3.     Explicite os direitos reconhecidos ao povo, tendo em conta as estâncias 85 e 86.

Texto B



[...] José Matias, ao regressar da praia da Ericeira em outubro, no outono, avistou Elisa   Miranda, uma noite, no terraço, à luz da lua! O meu amigo nunca contemplou aquele precioso tipo de encanto lamartiniano. Alta, esbelta, ondulosa, digna da comparação bíblica da palmeira ao vento. Cabelos negros, lustrosos e ricos, em bandós ondeados. Uma carnação de camélia muito fresca. Olhos negros, líquidos, quebrados, tristes, de longas pestanas… Ah! meu amigo, até eu, que já então laboriosamente anotava Hegel, depois de a encontrar numa tarde de chuva esperando a carruagem à porta do Seixas, a adorei durante três exaltados dias, e lhe rimei um soneto! Não sei se o José Matias lhe dedicou sonetos. Mas todos nós, seus amigos, percebemos logo o forte, profundo, absoluto amor que concebera, desde a noite de outono, à luz da lua, aquele coração, que em Coimbra considerávamos de esquilo.
Bem compreende que homem tão comedido e quieto não se exalou em suspiros públicos. Já no tempo, porém, de Aristóteles se afirmava que amor e fumo não se escondem; e do nosso cerrado José Matias o amor começou logo a escapar, como o fumo leve através das fendas invisíveis de uma casa fechada que arde terrivelmente. Bem me recordo de uma tarde que o visitei em Arroios, depois de voltar do Alentejo. Era um domingo de julho. Ele ia jantar com uma tia-avó, uma D. Mafalda Noronha, que vivia em Benfica, na Quinta dos Cedros, onde habitualmente jantavam também aos domingos o Matos Miranda e a divina Elisa. Creio mesmo que só nessa casa ela e o José Matias se encontravam, sobretudo com as facilidades que oferecem pensativas alamedas e retiros de sombra. As janelas do quarto do José Matias abriam sobre o seu jardim e sobre o jardim dos Mirandas; e, quando entrei, ele ainda se vestia, lentamente. Nunca admirei, meu amigo, face humana aureolada por felicidade mais segura e serena! Sorria iluminadamente quando me abraçou, com um sorriso que vinha das profundidades da alma iluminada; sorria ainda deliciadamente enquanto eu lhe contei todos os meus desgostos no Alentejo; sorriu depois extaticamente, aludindo ao calor e enrolando um cigarro distraído; e sorriu sempre, enlevado, a escolher na gaveta da cómoda, com escrúpulo religioso, uma gravata de seda branca. E a cada momento irresistivelmente, por um hábito já tão inconsciente como o pestanejar, os seus olhos risonhos, calmamente enternecidos, se voltavam para as vidraças fechadas… De sorte que, acompanhando aquele raio ditoso, logo descobri, no terraço da Casa da Parreira, a divina Elisa, vestida de claro, com um chapéu branco, passeando preguiçosamente, calçando pensativamente as luvas, e espreitando também as janelas do meu amigo, que um lampejo oblíquo de sol ofuscava de manchas de ouro. O José Matias no entanto conversava, antes murmurava, através do sorriso perene, coisas afáveis e dispersas. [...] E depois de enfiar a sobrecasaca, de lhe espetar uma soberba rosa, foi com inefável emoção, sem reter um delicioso suspiro, que abriu largamente, solenemente, as vidraças! [...] Eu permaneci discretamente enterrado no sofá. E, meu caro amigo, acredite! invejei aquele homem à janela, imóvel, hirto na sua adoração sublime, com os olhos e a alma e todo o ser cravados no terraço, na branca mulher calçando as luvas claras, e tão indiferente ao Mundo como se o Mundo fosse apenas o ladrilho que ela pisava e cobria com os pés!
E este enlevo, meu amigo, durou dez anos, assim esplêndido, puro, distante e imaterial!
Eça de Queiroz, «José Matias», Contos, edição de Luiz Fagundes Duarte, Lisboa, Dom Quixote, 1989, pp. 125-128

4.    O narrador refere-se à personagem feminina como «divina Elisa» (linhas 15 e 24).
Identifique, com base no primeiro parágrafo, os traços que contribuem para essa caracterização.

5. Refira dois dos efeitos expressivos resultantes da seguinte sequência de advérbios: «iluminadamente», «deliciadamente» e «extaticamente» (linhas 18 a 20).


GRUPO II
Chamar Casa de Papel a uma crónica em torno das coisas dos livros é já denunciar um saudosismo romântico. (…)
As casas de papel são modos de pensar na tangibilidade do texto, na manualidade de que ele dependeu para ser lido. São modos de pensar nos autores. Cada autor como um lugar e um abrigo. Um lugar. Ler um livro é estar num autor. Preciso de pensar nos objetos para acreditar nos lugares. Oh, nossa deslumbrante desgraça mudadora, não consigo sentir-me bonito dentro de um Kindle, de um iPad ou de um Kobo.(…)
Quantas vezes, estupefacto, abri um livro na mesma página para encontrar a mesma frase da mesma maneira apresentada?(…) Precisei muitas vezes de reencontrar páginas específicas, com o seu grafismo cristalizado, o seu grafismo diamante, a guardarem‑me o que não podia perder.
Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso, assim, como um amor que se conserva para repetir ou reaprender. Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga? É como não ter sentimentos, descansar na morte, não permanecer vivo enquanto espera por nós. É infiel. Não o podemos sequer perfumar e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma de buganvílias e canela. Gosto muito. Os leitores, sabemos bem, são territoriais. Como os cães. Sublinhamos e não suportamos os sublinhados dos outros. Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali.
Valter Hugo Mãe, «Revista 2», Público,18 de novembro de 2012 (adaptado)


1.       Para responder a cada um dos itens, selecione a única opção que permite obter uma afirmação correta. Escreva, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.
1.1.    Os vocábulos «livro» (1,5,7), «texto» (3,12) e «páginas» são um mecanismo de coesão:
A.   Referencial.
B.   Frásica.
C.   Lexical.
D.   Interfrásica.

1.2.    Nas frases « …a guardarem‑me o que não podia perder…»(l.9)«…e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma…»(l.14), os pronomes pessoais desempenham a função de :
A.   Complemento direto e indireto, respetivamente.
B.    Complemento direto, ambos.
C.    Complemento indireto, ambos.
D.   Complemento indireto e complemento direto, respetivamente.
Responda de forma correta aos itens apresentados.
2.       Classifique as orações seguintes:
2.1.    «Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso» (l.11)
2.2.    «para acreditar nos lugares» (linhas 13 e 14).
2.3.    « Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali»(l.16)
2.4.    «…que me foram oferecidos com aroma de buganvílias e canela». (l.14).


3.       Refira as funções sintáticas dos segmentos sublinhados:
3.1.    «Ler um livro é estar num autor.»(l.5)
3.2.    « Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso»(l.11)
3.3.    « e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma…»(l.14)
3.4.    « São modos de pensar nos autores.»(l.4)
3.5.    « Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga?»(l.13)

4.        Indique o antecedente do pronome que ocorre em «Não o podemos sequer perfumar» (ll.13-14).

GRUPO III
«Há, em primeiro lugar o nobre patriotismo dos patriotas: esses amam a pátria, não dedicando-lhe estrofes, mas com a serenidade grave e profunda dos corações fortes. Respeitam a tradição, mas o seu esforço vai todo para a nação viva, a que em torno deles trabalha, produz, pensa e sofre: e, deixando para trás as glórias que ganhámos nas Molucas, ocupam-se da pátria contemporânea(…)»
Eça de Queirós. “Brasil e Portugal”, in Notas Contemporâneas, Livros d Brasil

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre o conceito de patriotismo na atualidade, considerando o que é afirmado no excerto transcrito. Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.


Cenários de resposta



11. O poeta critica o facto de aqueles que cantava, ao invés de o recompensarem por os imortalizar(“Das capelas de louro que me honrassem,(…)A quem os faz, cantando, gloriosos!”), terem sido os responsáveis pela sua desdita, desgraça (“trabalhos nunca usados me inventaram, /Com que em tão duro estado me deitaram”) e, ainda, o facto de serem a causa de não haver, no futuro, escritores que imortalizem os feitos dos portugueses (“Que exemplos a futuros escritores,”).

22. O poeta recusa cantar, em primeiro lugar, os interesseiros e ambiciosos que colocam os interesses pessoais acima do bem comum, desrespeitando a lei de Deus e a lei dos homens e que ascendem ao poder para satisfazerem os seus vícios (est.84); em segundo lugar, faz uma crítica aos falsos ou dissimulados que abusam do poder para servirem os seus desejos; por último, também critica os que oprimem e exploram o povo, roubando os mais pobres , pagando salários injustos e aplicando impostos excessivos (est. 86).

33. De acordo com o conteúdo das estâncias 85 e 86, é reconhecido ao povo o direito a  não ser ludibriado ou enganado, assim como a não ser explorado ou roubado (est.85). Também, segundo o poeta, o povo tem direito a ver o seu trabalho remunerado e a ser tributado sem excessos (est.86). 

44. O narrador refere-se à personagem feminina como «a divina Elisa» por esta ser uma mulher de singular beleza. Contribuem para essa perceção do narrador o facto de Elisa apresentar uma beleza excecional, similar a certas heroínas românticas ou bíblicas(«Alta, esbelta, ondulosa, digna da comparação bíblica da palmeira ao vento.»). Também era uma mulher com um cabelo belo e brilhante, cuidadosamente penteado, assim como a sua pele tinha uma tonalidade natural, branca e mimosa(«carnação de camélia muito fresca») . Estas características fazem de Elisa uma deusa, a “divina Elisa”.

55. Um dos efeitos expressivos do uso dos advérbios «iluminadamente», «deliciadamente» e «extaticamente» é acentuar a felicidade experienciada pela personagem, que se evidencia pelo seu profundo enlevo ao sorrir, enquanto o amigo lhe relata os seus «desgostos». Também salienta o estado de espírito de José Matias ao receber o amigo.
     Grupo II
1.1. C
1.2. C

1.1. subordinada substantiva completiva
1.2. subordinada adverbial final
1.3. subordinada adverbial concessiva
1.4. subordinada adjetiva relativa restritiva

3.1. sujeito
3.2. complemento direto
3.3.sujeito
3.4. predicativo do sujeito
3.5 complemento indireto

4.       “a um texto que se desliga”

  Grupo III

Ser patriota é defender os interesses do seu país, respeitar e proteger os seus símbolos e trabalhar pela construção de uma nação melhor, de uma sociedade mais justa. Neste sentido, o conceito de patriotismo tem vindo a alterar-se ao longo dos tempos, como já Eça de Queirós observava.
Se, por um lado, os símbolos que identificam uma pátria se mantêm ainda hoje, como a bandeira, o hino e a língua portuguesa, é verdade que a forma como as pessoas contribuem para o desenvolvimento do país mudou radicalmente. Há uns séculos atrás, o patriotismo revelava-se através da guerra, da luta contra os inimigos e da expansão da fé cristã. Hoje, diferentemente, o patriotismo é visível por aqueles que permanecem na sua pátria, apesar das adversidades, e, de alguma forma, poem os interesses do país à frente dos seus. É o caso dos militares, cuja função é mal remunerada, mas estão sempre disponíveis para ajudar a pátria no que concerne à sua segurança. Também é de salientar os cientistas que optam pela investigação no seu país, independentemente do ordenado, e que ajudam ao desenvolvimento do mesmo.
Por outro lado, os símbolos que identificam a pátria são percecionados de forma diferente, apesar de serem os mesmos. A emoção de ouvir e cantar o hino nacional esbateu-se consideravelmente e o respeito pelo mesmo também. Apesar de nas competições desportivas ainda se ouvir o hino, poucas pessoas o respeitam e sabem a letra. Para além disso, a língua já não é considerada património, pois o Inglês tem vindo a ocupar o lugar das línguas maternas.
        Em suma, é claro que o apego à terra, ao país e às suas tradições se mantém, no entanto a perceção e noção de patriotismo evoluiu e sofreu alterações, decorrentes da passagem do tempo e da globalização.