19/02/17

"Os Lusíadas"_Teste 12º ano


GRUPO I
A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 81 a 86 do Canto VII de Os Lusíadas. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.

est.81
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prêmio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
est.82
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valorosos,
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para porem as coisas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!
est.83
Pois logo em tantos males é forçado,
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não o empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido1,
Sob pena de não ser agradecido.
est.84
Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes2 exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
 est.85
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante3,
Se muda em mais figuras que Proteio4.
Nem, Camenas5, também cuideis que cante
Quem, com hábito6 honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
 est.86
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto7 peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar8, com mão rapace9 e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa




Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1.    Explicite a crítica que é feita nas estâncias 81 e 82 e fundamente com transcrições textuais.

2.    Caracterize, de acordo com as três últimas estâncias transcritas, aqueles que o poeta recusa cantar.


3.     Explicite os direitos reconhecidos ao povo, tendo em conta as estâncias 85 e 86.

Texto B



[...] José Matias, ao regressar da praia da Ericeira em outubro, no outono, avistou Elisa   Miranda, uma noite, no terraço, à luz da lua! O meu amigo nunca contemplou aquele precioso tipo de encanto lamartiniano. Alta, esbelta, ondulosa, digna da comparação bíblica da palmeira ao vento. Cabelos negros, lustrosos e ricos, em bandós ondeados. Uma carnação de camélia muito fresca. Olhos negros, líquidos, quebrados, tristes, de longas pestanas… Ah! meu amigo, até eu, que já então laboriosamente anotava Hegel, depois de a encontrar numa tarde de chuva esperando a carruagem à porta do Seixas, a adorei durante três exaltados dias, e lhe rimei um soneto! Não sei se o José Matias lhe dedicou sonetos. Mas todos nós, seus amigos, percebemos logo o forte, profundo, absoluto amor que concebera, desde a noite de outono, à luz da lua, aquele coração, que em Coimbra considerávamos de esquilo.
Bem compreende que homem tão comedido e quieto não se exalou em suspiros públicos. Já no tempo, porém, de Aristóteles se afirmava que amor e fumo não se escondem; e do nosso cerrado José Matias o amor começou logo a escapar, como o fumo leve através das fendas invisíveis de uma casa fechada que arde terrivelmente. Bem me recordo de uma tarde que o visitei em Arroios, depois de voltar do Alentejo. Era um domingo de julho. Ele ia jantar com uma tia-avó, uma D. Mafalda Noronha, que vivia em Benfica, na Quinta dos Cedros, onde habitualmente jantavam também aos domingos o Matos Miranda e a divina Elisa. Creio mesmo que só nessa casa ela e o José Matias se encontravam, sobretudo com as facilidades que oferecem pensativas alamedas e retiros de sombra. As janelas do quarto do José Matias abriam sobre o seu jardim e sobre o jardim dos Mirandas; e, quando entrei, ele ainda se vestia, lentamente. Nunca admirei, meu amigo, face humana aureolada por felicidade mais segura e serena! Sorria iluminadamente quando me abraçou, com um sorriso que vinha das profundidades da alma iluminada; sorria ainda deliciadamente enquanto eu lhe contei todos os meus desgostos no Alentejo; sorriu depois extaticamente, aludindo ao calor e enrolando um cigarro distraído; e sorriu sempre, enlevado, a escolher na gaveta da cómoda, com escrúpulo religioso, uma gravata de seda branca. E a cada momento irresistivelmente, por um hábito já tão inconsciente como o pestanejar, os seus olhos risonhos, calmamente enternecidos, se voltavam para as vidraças fechadas… De sorte que, acompanhando aquele raio ditoso, logo descobri, no terraço da Casa da Parreira, a divina Elisa, vestida de claro, com um chapéu branco, passeando preguiçosamente, calçando pensativamente as luvas, e espreitando também as janelas do meu amigo, que um lampejo oblíquo de sol ofuscava de manchas de ouro. O José Matias no entanto conversava, antes murmurava, através do sorriso perene, coisas afáveis e dispersas. [...] E depois de enfiar a sobrecasaca, de lhe espetar uma soberba rosa, foi com inefável emoção, sem reter um delicioso suspiro, que abriu largamente, solenemente, as vidraças! [...] Eu permaneci discretamente enterrado no sofá. E, meu caro amigo, acredite! invejei aquele homem à janela, imóvel, hirto na sua adoração sublime, com os olhos e a alma e todo o ser cravados no terraço, na branca mulher calçando as luvas claras, e tão indiferente ao Mundo como se o Mundo fosse apenas o ladrilho que ela pisava e cobria com os pés!
E este enlevo, meu amigo, durou dez anos, assim esplêndido, puro, distante e imaterial!
Eça de Queiroz, «José Matias», Contos, edição de Luiz Fagundes Duarte, Lisboa, Dom Quixote, 1989, pp. 125-128

4.    O narrador refere-se à personagem feminina como «divina Elisa» (linhas 15 e 24).
Identifique, com base no primeiro parágrafo, os traços que contribuem para essa caracterização.

5. Refira dois dos efeitos expressivos resultantes da seguinte sequência de advérbios: «iluminadamente», «deliciadamente» e «extaticamente» (linhas 18 a 20).


GRUPO II
Chamar Casa de Papel a uma crónica em torno das coisas dos livros é já denunciar um saudosismo romântico. (…)
As casas de papel são modos de pensar na tangibilidade do texto, na manualidade de que ele dependeu para ser lido. São modos de pensar nos autores. Cada autor como um lugar e um abrigo. Um lugar. Ler um livro é estar num autor. Preciso de pensar nos objetos para acreditar nos lugares. Oh, nossa deslumbrante desgraça mudadora, não consigo sentir-me bonito dentro de um Kindle, de um iPad ou de um Kobo.(…)
Quantas vezes, estupefacto, abri um livro na mesma página para encontrar a mesma frase da mesma maneira apresentada?(…) Precisei muitas vezes de reencontrar páginas específicas, com o seu grafismo cristalizado, o seu grafismo diamante, a guardarem‑me o que não podia perder.
Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso, assim, como um amor que se conserva para repetir ou reaprender. Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga? É como não ter sentimentos, descansar na morte, não permanecer vivo enquanto espera por nós. É infiel. Não o podemos sequer perfumar e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma de buganvílias e canela. Gosto muito. Os leitores, sabemos bem, são territoriais. Como os cães. Sublinhamos e não suportamos os sublinhados dos outros. Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali.
Valter Hugo Mãe, «Revista 2», Público,18 de novembro de 2012 (adaptado)


1.       Para responder a cada um dos itens, selecione a única opção que permite obter uma afirmação correta. Escreva, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.
1.1.    Os vocábulos «livro» (1,5,7), «texto» (3,12) e «páginas» são um mecanismo de coesão:
A.   Referencial.
B.   Frásica.
C.   Lexical.
D.   Interfrásica.

1.2.    Nas frases « …a guardarem‑me o que não podia perder…»(l.9)«…e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma…»(l.14), os pronomes pessoais desempenham a função de :
A.   Complemento direto e indireto, respetivamente.
B.    Complemento direto, ambos.
C.    Complemento indireto, ambos.
D.   Complemento indireto e complemento direto, respetivamente.
Responda de forma correta aos itens apresentados.
2.       Classifique as orações seguintes:
2.1.    «Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso» (l.11)
2.2.    «para acreditar nos lugares» (linhas 13 e 14).
2.3.    « Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali»(l.16)
2.4.    «…que me foram oferecidos com aroma de buganvílias e canela». (l.14).


3.       Refira as funções sintáticas dos segmentos sublinhados:
3.1.    «Ler um livro é estar num autor.»(l.5)
3.2.    « Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso»(l.11)
3.3.    « e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma…»(l.14)
3.4.    « São modos de pensar nos autores.»(l.4)
3.5.    « Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga?»(l.13)

4.        Indique o antecedente do pronome que ocorre em «Não o podemos sequer perfumar» (ll.13-14).

GRUPO III
«Há, em primeiro lugar o nobre patriotismo dos patriotas: esses amam a pátria, não dedicando-lhe estrofes, mas com a serenidade grave e profunda dos corações fortes. Respeitam a tradição, mas o seu esforço vai todo para a nação viva, a que em torno deles trabalha, produz, pensa e sofre: e, deixando para trás as glórias que ganhámos nas Molucas, ocupam-se da pátria contemporânea(…)»
Eça de Queirós. “Brasil e Portugal”, in Notas Contemporâneas, Livros d Brasil

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre o conceito de patriotismo na atualidade, considerando o que é afirmado no excerto transcrito. Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.


Cenários de resposta



11. O poeta critica o facto de aqueles que cantava, ao invés de o recompensarem por os imortalizar(“Das capelas de louro que me honrassem,(…)A quem os faz, cantando, gloriosos!”), terem sido os responsáveis pela sua desdita, desgraça (“trabalhos nunca usados me inventaram, /Com que em tão duro estado me deitaram”) e, ainda, o facto de serem a causa de não haver, no futuro, escritores que imortalizem os feitos dos portugueses (“Que exemplos a futuros escritores,”).

22. O poeta recusa cantar, em primeiro lugar, os interesseiros e ambiciosos que colocam os interesses pessoais acima do bem comum, desrespeitando a lei de Deus e a lei dos homens e que ascendem ao poder para satisfazerem os seus vícios (est.84); em segundo lugar, faz uma crítica aos falsos ou dissimulados que abusam do poder para servirem os seus desejos; por último, também critica os que oprimem e exploram o povo, roubando os mais pobres , pagando salários injustos e aplicando impostos excessivos (est. 86).

33. De acordo com o conteúdo das estâncias 85 e 86, é reconhecido ao povo o direito a  não ser ludibriado ou enganado, assim como a não ser explorado ou roubado (est.85). Também, segundo o poeta, o povo tem direito a ver o seu trabalho remunerado e a ser tributado sem excessos (est.86). 

44. O narrador refere-se à personagem feminina como «a divina Elisa» por esta ser uma mulher de singular beleza. Contribuem para essa perceção do narrador o facto de Elisa apresentar uma beleza excecional, similar a certas heroínas românticas ou bíblicas(«Alta, esbelta, ondulosa, digna da comparação bíblica da palmeira ao vento.»). Também era uma mulher com um cabelo belo e brilhante, cuidadosamente penteado, assim como a sua pele tinha uma tonalidade natural, branca e mimosa(«carnação de camélia muito fresca») . Estas características fazem de Elisa uma deusa, a “divina Elisa”.

55. Um dos efeitos expressivos do uso dos advérbios «iluminadamente», «deliciadamente» e «extaticamente» é acentuar a felicidade experienciada pela personagem, que se evidencia pelo seu profundo enlevo ao sorrir, enquanto o amigo lhe relata os seus «desgostos». Também salienta o estado de espírito de José Matias ao receber o amigo.
     Grupo II
1.1. C
1.2. C

1.1. subordinada substantiva completiva
1.2. subordinada adverbial final
1.3. subordinada adverbial concessiva
1.4. subordinada adjetiva relativa restritiva

3.1. sujeito
3.2. complemento direto
3.3.sujeito
3.4. predicativo do sujeito
3.5 complemento indireto

4.       “a um texto que se desliga”

  Grupo III

Ser patriota é defender os interesses do seu país, respeitar e proteger os seus símbolos e trabalhar pela construção de uma nação melhor, de uma sociedade mais justa. Neste sentido, o conceito de patriotismo tem vindo a alterar-se ao longo dos tempos, como já Eça de Queirós observava.
Se, por um lado, os símbolos que identificam uma pátria se mantêm ainda hoje, como a bandeira, o hino e a língua portuguesa, é verdade que a forma como as pessoas contribuem para o desenvolvimento do país mudou radicalmente. Há uns séculos atrás, o patriotismo revelava-se através da guerra, da luta contra os inimigos e da expansão da fé cristã. Hoje, diferentemente, o patriotismo é visível por aqueles que permanecem na sua pátria, apesar das adversidades, e, de alguma forma, poem os interesses do país à frente dos seus. É o caso dos militares, cuja função é mal remunerada, mas estão sempre disponíveis para ajudar a pátria no que concerne à sua segurança. Também é de salientar os cientistas que optam pela investigação no seu país, independentemente do ordenado, e que ajudam ao desenvolvimento do mesmo.
Por outro lado, os símbolos que identificam a pátria são percecionados de forma diferente, apesar de serem os mesmos. A emoção de ouvir e cantar o hino nacional esbateu-se consideravelmente e o respeito pelo mesmo também. Apesar de nas competições desportivas ainda se ouvir o hino, poucas pessoas o respeitam e sabem a letra. Para além disso, a língua já não é considerada património, pois o Inglês tem vindo a ocupar o lugar das línguas maternas.
        Em suma, é claro que o apego à terra, ao país e às suas tradições se mantém, no entanto a perceção e noção de patriotismo evoluiu e sofreu alterações, decorrentes da passagem do tempo e da globalização.


29/03/16

Teste Fernando Pessoa + Caeiro

GRUPO I
Texto A
Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
‘Stou no meu olvido...
Dorme, coração...
















vogar: flutuar, boiar; espalhar-se, difundir-se

olvido: esquecimento;
repouso,  descanso; estado de uma coisa ou pessoa esquecida;
                                        Fernando Pessoa, in Poesias, Ed. África

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário.

1.     Faz a divisão do poema em partes lógicas e sintetiza o assunto de cada uma delas.

2.     Analisa o estado de espírito do sujeito poético. Justifica com transcrições textuais.

3.     Atenta nas duas últimas estrofes.
3.1.   Identifica dois recursos expressivos e salienta a sua expressividade.

TEXTO B
Caixa de texto: 1







6


XXVI
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?


4.     Explica a importância da referência à luz perfeita e exacta”(v.1) para a compreensão da questão que o sujeito poético coloca a si próprio na primeira estrofe.

5.     Explicita a tensão dramática vivida pelo “ eu” ao longo do texto.


Grupo II

Lê o texto seguinte.
Caixa de texto: 1 





5 






10







15 







20 






25
 «Alberto Caeiro é o meu mestre», afirmava Fernando Nogueira Pessoa. E apesar de os leitores do século XXI preferirem claramente o trágico engenheiro Álvaro de Campos ou o solitário urbano Bernardo Soares, a verdade é que é de Caeiro que irradia toda a heteronímia pessoana, pois ele é tudo o que Fernando Pessoa não pode ser: uno porque infinitamente múltiplo, o argonauta das sensações, o sol do universo pessoano. Faz hoje cem anos que Pessoa criou Alberto Caeiro. Tinha 26 anos.
          «Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade».
          Foi nesta carta a Adolfo Casais Monteiro que Pessoa descreveu o «nascimento» de Caeiro. Apesar de os estudos pessoanos terem demonstrado que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo, nem dos poemas, a verdade é que aquilo que nela haverá de ficção serve para que Pessoa continue o seu jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras do real e do irreal.
           «Alberto Caeiro é o homem reconciliado com a natureza, no qual o estar e o pensar coincidem. Ele resolveu todos os dramas entre a vida e a consciência», diz o filósofo José Gil, que rejeita a ideia defendida por muitos estudiosos da «alma una» de Caeiro.
          Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a «figura da musa» para o poeta, que aliás o descreve em termos helénicos, louro como um deus grego. Segundo a cronologia feita por Pessoa, Alberto Caeiro nasceu em 16 de abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até à 4.ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915.
          Caeiro não é um filósofo, é um sábio para quem viver e pensar não são atos separados. Por isso, não faz sentido considerá-lo menos real do que Pessoa. E cem anos depois, apesar de não ser o poeta mais lido, Alberto Caeiro tem uma materialidade de que só quem não lê poesia se atreve a duvidar. O poeta não precisa de biografia e não precisa de um corpo com órgãos para se alojar em nós, para nos pôr a ver o mundo a partir dos seus olhos, «do seu presente intemporal igual ao das crianças e dos animais», como escreveu Octávio Paz.
Joana Emídio Marques, Diário de Notícias, 8 de março de 2014, p. 47 (adaptado)





Para responder a cada um dos itens de 1.1. a 1.5., seleciona a opção correta. Escreve, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.


1.1.A centralidade de Caeiro é representada no texto, entre outras, através da expressão
(A) «sol do universo pessoano» (linha 5).
(B) «poeta bucólico» (linha 7).
(C) «homem reconciliado com a natureza» (linha 13).
(D) «deus grego» (linha 17).

1.2. No contexto da poesia pessoana, a expressão «jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras
do real e do irreal» (linha 12) remete para
(A) a interpenetração da realidade e da imaginação.
(B) a separação entre a realidade e a imaginação.
(C) a infinitude das fronteiras do real.
(D) a infinitude das fronteiras do irreal.

1.3. O recurso à expressão «tudo o que Fernando Pessoa não pode ser» (linha 4) configura uma
(A) elipse.
(B) anáfora.
(C) reiteração.
(D) catáfora.

1.4. A utilização de «pois» (linha 3) e de «Por isso» (linha 22) contribui para a coesão
(A) frásica.
(B) interfrásica.
(C) temporal.
(D) lexical.

1.5. No excerto «Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a “figura da musa” para o poeta, que aliás o descreve em termos helénicos, louro como um deus grego.» (linhas 16-17), as palavras sublinhadas são
(A) um pronome e uma conjunção, respetivamente.
(B) uma conjunção e um pronome, respetivamente.
(C) pronomes em ambos os casos.
(D) conjunções em ambos os casos.


Responde de forma correta aos itens apresentados.
2.   Classifica as orações seguintes:
2.1.    «que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo, nem dos poemas» (linha10).
2.2.   «que rejeita a ideia defendida por muitos estudiosos da “alma una” de Caeiro.» (linhas 14-15).
2.3.   «para que Pessoa continue o seu jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras do real e do irreal.»(linhas 11-12)

3.   Identifica a função sintática desempenhada pelos segmentos sublinhados:
3.1.    «…Pessoa continue o seu jogo infinito…» (linha 12)
3.2.   «… Voltou no final da sua curta vida para Lisboa,…»(linha 20)
3.3.    «…para quem viver e pensar não são atos separados…» (linha 22).


4.   Coloca a forma verbal da frase «…a carta não diz toda a verdade …» nos tempos e modos seguintes:
4.1.   Pretérito Imperfeito do Modo Conjuntivo;
4.2.   Condicional;
4.3.   Futuro do Conjuntivo.


GRUPO III

     Fazendo apelo à tua experiência de leitor, explica de que modo a oposição entre pensar e sentir se manifesta na poesia de Fernando Pessoa ortónimo, referindo-te a poemas relevantes para o tema em análise.
     Escreve um texto de oitenta a cento e cinquenta palavras.


FIM

_____________________________________________________________________________________
Cotação
Grupo I
1-     25 pontos (15 pontos –conteúdo+ 5 pontos-estrutura+ 5 pontos- correção linguística)
2-     20 pontos (12 pontos –conteúdo+ 4 pontos-estrutura+ 4 pontos- correção linguística)
3-     20 pontos
4-     15  pontos (9 pontos –conteúdo+ 3 pontos-estrutura+ 3 pontos- correção linguística)
5-     20 pontos
Grupo II
1-     25 pontos (5*5 pontos)
2-     15 pontos (3*5 pontos)
3-     15 pontos (3*5 pontos)
4-     15 pontos (3*5 pontos)

Grupo III

 30 pontos (18 pontos- conteúdo; 7pontos-  estrutura; 5 pontos - correção linguística)

Correção

Grupo I

1.  1.    O poema divide-se em duas partes lógicas: na primeira parte, constituída pelas duas primeiras quadras, o sujeito poético descreve o ambiente exterior que o rodeia (caracterizado pelo firmamento, pelo frio e pelo vento), o qual se identifica com os seus sentimentos; a segunda parte é constituída pelas duas últimas estrofes e aqui exprime o seu estado de espírito que é provocado, em parte, pelo exterior. 15-12-9-6-3 +5+5

2 O estado de espírito do “eu”poético pode caracterizar-se como angustiado (“E uma angústia fria /Indistinta voga”), perdido e indefinido, ou seja, cheio de incertezas, sem esperança nem sentido (“Não sei o que faça /Não sei o o que penso”). Para além disso, sente-se cheio de tédio, visível no verso “E o tédio é imenso”, assim como incapaz de sentir (“ Não tenho sentido/Alma ou intenção”). Por fim, é de salientar que o sujeito poético caiu no esquecimento, como se pode verificar no verso “’Stou no meu olvido”. Afinal,  o que ele sente é o que ele vê, como se o ambiente exterior fosse exatamente igual às suas sensações interiores. 12-9-6-3 +4+4

3.   3.   Um recurso presente é a anáfora (“Não sei…./Não sei…) que salienta o estado de indefinição e incerteza do sujeito poético, realçado também pela frase negativa. Outro dos recursos presentes é a apóstrofe (“Dorme, coração”) que exprime a vontade o “eu” de não sentir, pois assim não experimentaria a angústia pela qual está a passar. 12-9-6-3 +4+4

4.     4. A referência ao facto de a  luz ser “perfeita e exata” torna pertinente a questão que o sujeito poético coloca a si mesmo, porque, segundo ele, a realidade (“as coisas”) é apenas aquilo que os sentidos nos dão. Ora, se há uma luminosidade intensa, os objetos apresentam-se tão visíveis que não é necessário ver para além deles, ou seja, não é preciso imaginar, atribuindo-lhes qualidades como beleza. Dai o mal estar do sujeito poético consigo próprio, expresso nos versos “Pergunto-me a mim devagar…”. 9-7-5-3 +3+3

5.     5O “eu” vive um conflito permanente que advém do facto de ele apenas querer apreender o real através dos sentidos (“cor”, “forma”, “existência”). Contudo, não consegue alcançar esse desejo, porque o pensamento vem perturbar essa aliança desejada com as “coisas”. 12-9-6-3 +4+4

GRUPO II
1.1.A centralidade de Caeiro é representada no texto, entre outras, através da expressão
(A) «sol do universo pessoano» (linha 5).

1.2. No contexto da poesia pessoana, a expressão «jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras
do real e do irreal» (linha 12) remete para
(A) a interpenetração da realidade e da imaginação.

1.3. O recurso à expressão «tudo o que Fernando Pessoa não pode ser» (linha 4) configura uma
 (D) catáfora.

1.4. A utilização de «pois» (linha 3) e de «Por isso» (linha 22) contribui para a coesão
 (B) interfrásica.

1.5. No excerto «Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a “figura da musa” para o poeta, que aliás o descreve em termos helénicos, louro como um deus grego.» (linhas 16-17), as palavras sublinhadas são
 (B) uma conjunção e um pronome, respetivamente.

Responde de forma correta aos itens apresentados.
2.   Classifica as orações seguintes:
2.1.    «que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo, nem dos poemas» (linha10).
Subordinada (substantiva) completiva
2.2.   «que rejeita a ideia defendida por muitos estudiosos da “alma una” de Caeiro.» (linhas 14-15).
Subordinada (adjetiva) relativa explicativa

2.3.   «para que Pessoa continue o seu jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras do real e do irreal.»(linhas 11-12)
Subordinada (adverbial) final

3.   Identifica a função sintática desempenhada pelos segmentos sublinhados:
3.1.    «…Pessoa continue o seu jogo infinito…» (linha 12) Predicativo do Sujeito
3.2.   «… Voltou no final da sua curta vida para Lisboa,…»(linha 20) complemento oblíquo
3.3.    «…para quem viver e pensar não são atos separados…» (linha 22). Sujeito

GRUPO III

     Fazendo apelo à tua experiência de leitor, explica de que modo a oposição entre pensar e sentir se manifesta na poesia de Fernando Pessoa ortónimo, referindo-te a poemas relevantes para o tema em análise.
     Escreve um texto de oitenta a cento e cinquenta palavras.

    A propósito da poesia de Fernando Pessoa, podemos falar de uma conceção dinâmica da realidade, alicerçada na união dos contrários, como é o caso da oposição sentir/pensar.
    De facto, a dicotomia pensar/sentir é uma constante na sua poesia, apresentando-se, frequentemente, como objeto de reflexão (por exemplo, nos poemas “Isto” ou “Autopsicografia”), já que para o poeta a racionalização das sensações (sentir) é a base da criação artística mas também é aquilo que o impede de sentir, o que o leva à frustração, pois não consegue ser feliz como o gato (“Gato que brincas na rua…”) ou a ceifeira (“canta sem razão…”), por exemplo, que se limitam a sentir e, por isso, são feliz
   Em síntese (Para concluir), é através desta oposição que o poeta construiu uma poesia do “fingimento” e uma conceção da realidade que o conduziu à certeza de que ele próprio é um paradoxo